NOTA DE REPÚDIO À NOTA TÉCNICA N° 11/ 2019 de 04/02/2019 DA COORDENAÇÃO DE SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL
Os membros do Laço Analítico/Escola de Psicanálise vêm através do presente Documento Institucional manifestar o seu mais veemente e decidido repúdio à Nota Técnica número 11/2019 de 04/02/2019 exarada pela Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde do Brasil.
A referida Nota que, em deplorável ironia tem como título “A Nova Saúde Mental”, traz de volta, na verdade, o que há de mais velho, retrógrado e obsoleto modelo de saúde mental, baseado na lógica manicomial, de exclusão e privação de direitos e cidadania dos que sofrem grave e persistentemente de transtornos mentais, o mesmo que um longo processo científico, histórico, político, social, cultural e sanitário que responde pelo nome de Reforma Psiquiátrica Brasileira vem desconstruindo há mais de trinta anos.
A Reforma Psiquiátrica que esta Nota supõe e pretende desestabilizar é uma vitória da luta e do exercício de cidadania de milhares de brasileiros que tiveram suas vidas destruídas e privadas dentro de manicômios através de práticas perversas da conjunção do capital, falsa ciência e preconceito.
Ao enfatizar que não há serviços substitutivos dos hospitais psiquiátricos e que se dará apoio às comunidades religiosas (falsamente chamadas de comunidades terapêuticas) o atual governo escancara sua verve anti-democrática, fascista e autoritária. Negar os serviços substitutivos é o mesmo que afirmar a retomada do que se trata de substituir, ou seja, regredir ao velho, ao mesmo e ao desastroso modelo hospitalocêntrico.
Com o apoio de entidades que praticam falsa ciência em conjunção com interesses privados e do capital psicofarmacológico, o atual governo desconsidera trabalhadores, cientistas mundialmente reconhecidos, psicanalistas e toda uma ampla comunidade de profissionais, usuários e familiares comprometida com a verdadeira ciência. Quando realizado sob a égide dos direitos humanos, da eficácia do tratamento do sofrimento mental praticado em liberdade, da preservação de vínculos familiares e comunitários, o cuidado se dá na garantia do respeito à palavra daquele que sofre e do reconhecimento de sua posição de sujeito no laço social. É bastante evidente que não haveria governo mais propício do que o atual para operacionalizar o retorno de práticas de tortura, reclusão e exclusão social.
Contra esse desastroso retrocesso, nós, do Laço Analítico/Escola de Psicanálise, que sempre sustentamos e comprovamos cientificamente a eficácia da Psicanálise no campo da Saúde Mental Pública, através da investigação científica e acadêmica sempre articulada com a práxis intensiva e ininterrupta no modelo de Atenção Psicossocial Ampliado (CAPS, Residências Terapêuticas, Unidades de Acolhimento entre outros dispositivos da Reforma), vimos de público declarar que resistiremos e convocaremos à desobediência civil e pública toda e qualquer prática que desconsidere o sujeito, o inconsciente e essencialmente a dignidade humana.
A volta do ECT, das internações de longa permanência, abstinência como forma princeps de cuidado de usuários de droga em reclusão em comunidades religiosas envergonha a nós, brasileiros, diante do mundo e nos coloca no rol dos países mais subdesenvolvidos em termos de práticas em saúde mental. Além disso, como é característica principal desse governo, deixa o Brasil subserviente a práticas profundamente marcadas pela ideologia cientificista em Saúde Mental, que domina o mundo atual, reconhecidamente ineficazes, onerosas aos cofres públicos e submetidas ao mero controle bioquímico do comportamento.
Queremos ressaltar que, em conjunto com os profissionais do SUS, sistema de excelência internacionalmente reconhecida e que o atual governo tem como meta destruir, os usuários da saúde mental do SUS estarão organizados em resistência decidida e nós, psicanalistas, estaremos incluídos nesta resistência. Os longos anos de descaso, ausência de cuidado, exclusão, invisibilidade e mortificação do enorme contingente da população que conseguiu chegar aos CAPS antes de serem «assassinadas» pelo Estado, produziram um processo de politização inédito no Brasil. Para essas pessoas nada nunca foi fácil, toda conquista é extremamente árdua e difícil e conseguir sobreviver é muitas vezes uma aventura épica, o que confere um elevado valor a cada conquista. Nessa trincheira talvez esteja o cerne de uma revolução necessária para o país, pois nesse campo nunca foi tão precisa e real a frase: «mexeu com um mexeu com todos»!
Hoje, diferentemente de tudo que já assistimos em outros tempos e que conseguimos vencer, o poder do capital que subjuga a “ciência” e domina o cenário político não enlouquecerá e não matará as pessoas que sofrem demasiadamente sem RESISTÊNCIA! Nenhum passo atrás, capital comandando a saúde nunca mais… manicômio e comunidade terapêutica jamais!
Laço Analítico Escola de Psicanálise / 13 de fevereiro às 18:06 ·